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Perguntas de um trabalhador que Lê

Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída –
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da china ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântica
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.

Bertolt Brecht

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Alienação e Ideologia em ‘Perguntas de um trabalhador que lê’, de Bertolt Brecht

O poema ‘Perguntas de um trabalhador que lê’, é do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht. Este autor desenvolveu peças teatrais, canções, poemas e ensaios a partir de conceitos marxistas. O poema que aqui analisamos trata do tema da alienação e, podemos acrescentar também, da ideologia presente no processo de produção do conhecimento.
O autor nos leva a crer que um trabalhador que lê não simplesmente um alfabetizado, mas sim quem consegue questionar a realidade em que vive. A noção de ‘ler’ não tem só o significado de questionar a realidade, mas também o de interpretar o sentido desta realidade. Ler, neste poema, é entender a alienação e a ideologia presente na produção das coisas e do mundo, bem como da história que é contada sobre isto.
A palavra alienação vem do latim: alienare, alienus. Significa “que pertence a outro”. Marx demonstra que a alienação é uma constante nas sociedades divididas em classes. Acentua-se no mundo moderno devido ao fetichismo da mercadoria, que dificulta ao trabalhador ver que a fonte de riqueza na sociedade provém de seu trabalho.
Brecht resgata o tema da alienação, mostrando que é possível desvendá-la questionando a realidade em que vivemos para melhor entender seus sentidos e significados:
“Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?”
O autor parece querer demonstrar, didaticamente, que os que realizam as atividades não possuem o produto de seus trabalhos, pois, vivendo em uma sociedade dividida em classes, onde são ‘meros’ trabalhadores, o que realizam é apropriado pelo possuidor da propriedade privada. Para que deixem de ser alienados os trabalhadores precisam ficar com o fruto de suas atividades e, para que isto se concretize, é preciso acabar com a divisão social em classes. Reis não trabalhavam, os senhores feudais não trabalhavam, os ‘capitalistas’ não trabalham.
‘Perguntas de um trabalhador que lê’ dá sinais de que está intrínseca a produção do conhecimento uma carga acentuada de ideologia que supervaloriza os ‘donos dos meios de produção’ em detrimento dos trabalhadores. O conceito de ideologia foi estudado por muitos pensadores, mas a contribuição de Karl Marx é um dos pontos essenciais deste debate. No caso da análise deste poema a contribuição deste filósofo é imprescindível por Bertolt Brecht partir dele para a construção de sua obra.
Marx mostra que a ideologia é instrumento de dominação, no sentido de que tenta mascarar a luta de classes e os conflitos cotidianos que ela gera por meio de valores, leis, doutrinas, ensinamentos, etc. O intuito é que a classe oprimida tenha suas ações e as possibilidades de ações represadas não só pela coerção física (que aparece que uma coerção legalizada), mas também pela interiorização de valores que parecem comum a toda sociedade, mas que só dizem respeito aos interesses de uma classe: a classe dominante.
Brecht demonstra que é preciso saber quem realmente produz para começarmos a desmistificar a alienação. No momento em que o trabalho coletivo é apropriado pela propriedade privada a ideologia se apresenta como meio de sustentação desta contradição social:
“Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
(…)
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
(…)
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.”
Na análise de Marx não há um sujeito individual: não são reis, líderes e grandes nomes que movem a história. São sujeitos reunidos em coletividades, onde as relações sociais concretas que realizam transformam a hitória, consciente ou inconscientemente. Reis, líderes e outros apenas expressam os desejos e aspirações de grupos coletivos, organizam e justificam as ações destes grupos numa sociedade cindida em classes.
Principio básico para transformar a realidade é conseguir ler seu significado e seu sentido, e atuar também na ‘batalha das ideias’, para que a construção dos conhecimentos que serão passados para as futuras gerações não seja mero sustentáculo ideológico da classe dominante, ocultando a importância e o valor daqueles que procuram construir a história em nome da maioria, e não em prol de proprietários privados.
É inevitável partir de ações individuais, pois aqueles que estão interessados em modificar a realidade devem agir independente de outros fazerem ou não o mesmo. A soma quantitativa das relações sociais transforma-se qualitativamente quando passam a ser percebidas, reconhecidas e organizadas enquanto coletividade, como um sujeito coletivo, expressão própria de uma classe social. Assim a força para combater os grupos dominantes e efetivar as transformações sociais que a sociedade precisa se tornam mais claras e possíveis. Como diz um ditado Talmúdico:
Se não for por mim mesmo, quem será por mim?
Se for apenas por mim, que serei eu?
Se não agora, quando?

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