Paratodos: música e sublimação

A música ‘Paratodos’, de Chico Buarque, foi lançada no ano de 1993. Nela o autor narra a história de ‘um artista brasileiro’ que percorre a estrada ‘há muitos anos’. Chico Buarque parece contar um pouco de sua própria história e, por meio dela, homenageia diversos músicos brasileiros, ressaltando a diversidade que temos, por meio da letra realizada e da do estilo musical composto, mesclando vários gêneros da música brasileira. Ainda aconselha os jovens sobre as possibilidades do uso da música diante de problemas que podem nos afligir.
Chico Buarque  nasceu no Rio de Janeiro, e seu pai realmente era paulista: Sérgio Buarque de Holanda, influente sociólogo e historiador. A ‘toada’ foi composta por Antônio Brasileiro: Tom Jobim, o ‘maestro soberano’ de Chico Buarque e de muitos outros artistas nacionais. Da música composta por Tom Jobim, Chico Buarque fez a letra: cheia de redondilhas (como muitas de suas letras), pra continuar suas andanças, pra ver coisas boas e ruins. A música que o autor fez (faz) o ajuda a viver, aceitar e compreender as coisas boas e ruins que lhe aconteceram (acontecem): viver inferno e maravilhas.
Na sequência o autor diz que a ‘viola’ o redime: viola é um símbolo para música, e esta o resgata, o liberta de situações ruins. É por isto que ele, que já passou por tantas experiências, sente-se a vontade ao dizer: Creia, ilustre cavalheiro / Contra fel, moléstia, crime / Use Dorival Caymmi / Vá de Jackson do Pandeiro. Podemos usar a música, estes músicos nacionais, contra o fel, moléstias e para evitar o anseio do crime? Para Chico Buarque sim.
Na estrofe seguinte é enfatizada esta argumentação: por ter visto muitas cidades, ter tido muito dinheiro, muitas moças, Chico Buarque mostra-se qualificado, experiente e com razão para dizer que, ao invés de fumarmos, bebermos ou cheirarmos, causar mal ao nosso corpo e estado mental, podemos usar a música para reverter dificuldades em nossas vidas. As sugestões dele nesta passagem são Ari Barroso, Vinícius de Morais e Nelson Cavaquinho. A música também pode ajudar a superar nossa mesquinhez, a nossa solidão: Luiz Gonzaga e Pixinguinha são indicados nesta situação.

E assim segue a letra, mostrando situações onde a música pode nos ajudar a superar momentos difíceis. Chico homenageia diversos artistas: Viva Erasmo, Ben, Roberto / Gil e Hermeto, palmas para / Todos os instrumentistas / Salve Edu, Bituca, Nara / Gal, Bethânia, Rita, Clara. Podemos chegar à sublimação por meio da música.

O termo sublimação parece ter migrado da química para a psicanálise. Em química refere-se ao fato de uma substância ir diretamente do estado sólido para o gasoso, sem passar pelo estado líquido. Na psicanálise freudiana o termo se remete ao desvio da pulsão sexual do objeto que desejamos para um objeto que podemos alcançar e nele nos satisfazer.

A pulsão sexual para Freud não se limita ao ato sexual, mas é a força primária que move o homem. Nossos desejos nem sempre são passíveis de realização, tanto por se dirigirem a outros, tanto pelas regras sociais que os coibi. Mas o homem, em nenhum momento, deixa de buscar a satisfação de sua energia sexual. Como resolver tal conflito? Para não ser destrutivo para si mesmo e para os outros, o homem pode desviar a tensão que há entre o seu desejo e o objeto desejado para um outro objeto, buscando a sublimação neste, e assim satisfazer sua energia sexual.

A arte em geral é um campo privilegiado para a sublimação. É onde o artista pode expressar suas angústias, as tensões que não o deixam ser pleno, extravasando seus conflitos em uma forma estética superior. É isto que parece nos sugerir a letra da música Paratodos, e três passagens são significativas para elucidar tal argumento:

“Contra fel, moléstia, crime / Use Dorival Caymmi / Vá de Jackson do Pandeiro”

“Fume Ari, cheire Vinicius / Beba Nelson Cavaquinho”

“Para um coração mesquinho / Contra a solidão agreste / Luiz Gonzaga é tiro certo / Pixinguinha é inconteste / Tome Noel, Cartola, Orestes / Caetano e João Gilberto”

Em uma sociedade onde a violência e a autodestruição inconsciente estão banalizadas, a sublimação por meio da música e outras manifestações artísticas não se faz só necessária, como também urgente. Podemos usufruir criando ou aproveitando criações alheias que amenizem nossas tensões. É por isto que o letrista finaliza com um saudação que chama os jovens interessados a dar continuidade ao hall de nossa diversidade musical e que queiram usar da musicalidade contra os momentos angustiantes da vida: Evoé, jovens à vista.

6 Comentários

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6 Respostas para “Paratodos: música e sublimação

  1. Gostei muito da análise das duas músicas de Chico Buarque. Vcs podiam analisar outras músicas dele e de outros compositores. Queria muito ver a análise daquela música chamada “Geni”, pq acho a letra perturbadora.

    • Que bom que gostou! Agradecemos o comentário e a sugestão. Quem sabe logo não postamos alguns comentários sobre a bendita / maldita Geni!!!
      Esperamos seu retorno para ler novas postagem!!
      Abraço!!

  2. vanilda

    Parabéns!
    o texto muito bem redigido, com abordagens amplas, se eu já gostava da música, passei a gostar mais, uma vez que aprecio muito as análises e óticas diversas, compreendemos e aprendemos mais!…

  3. Washington

    Muito bom texto, porém há um erro.

    Chico Buarque paulista???

    Chico Buarque nasceu no Rio de Janeiro como diz no seu prórpio site:

    “No dia 19 de junho nasce, na Maternidade São Sebastião, no Largo do Machado, Rio de Janeiro, Francisco Buarque de Hollanda, o quarto dos sete filhos do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista amadora Maria Amélia Cesário Alvim”

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